segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Cemitérios: Museus a Céu Aberto




Os cemitérios caracterizam-se por serem o local da última morada dos mortos. Na idade média os mortos eram enterrados fora do perímetro urbano, mas como a Igreja passou a ser definida como “espaço sagrado”, muitos passaram a ser depositados em seu solo.

A partir do século XVIII, devido à preocupação com os princípios de higiene que visavam conter as constantes epidemias, os mortos passaram a ser enterrados em lugares mais afastados do perímetro urbano. Neste período cresceu a preocupação com a estética dos túmulos, jazigos e mausoléus fruto do gosto peculiar da burguesia ascendente.

Tornaram-se gradativamente instituições culturais, muito mais que o último lugar de descanso passaram a ser um museu a céu aberto, repleto de significados e representações que nutrem a imaginação daqueles que o visitam. Tanto na Europa como nos EUA, os cemitérios perderam gradativamente o seu aspecto mórbido e desolador para tornarem-se um local de convivência e sociabilidade. Por guardarem os restos mortais de figuras ilustres tornam-se guardiões da cultura e da memória de seu povo. Um fator que auxiliou esta visão foi a difusão das idéias positivistas, pois Comte através da máxima “Os vivos são sempre e cada vez mais governados pelos mortos”, justificava que a memória e os feitos dos heróis e homens notáveis do passado deveria servir de exemplo e inspiração para as futuras gerações.

O mesmo processo ocorreu nos cemitérios brasileiros que formaram, ao longo do tempo, um acervo de grande valor artístico e histórico, sendo estes alisados através das pesquisas de Maria Elizia Borges e Harry Bellomo, entre outros historiadores.

Cada cemitério é um museu que possibilita através de seu acervo resgatar a história das famílias tradicionais, a mobilidade social e sua mentalidade fruto da importância política e da opulência econômica dos municípios.

(Clarisse Ismério)

 

Fontes: 

Projeto História através da Arte Cemiterial.

ISMÉRIO, Clarisse . Preservando a Arte Cemiterial: História, representações e influências na arte cemiterial no Rio Grande do Sul.Revista Congrega URCAMP 2008, v. 4, p. 271, 2008.

ISMÉRIO, Clarisse . HERÓIS, MUSAS E ANJOS: HISTÓRIA E REPRESENTAÇÕES NA ARTE CEMITERIAL DE BAGÉ. Revista CONGREGA URCAMP - 5a Jornada de Pós-Graduação e Pesquisa, v. 3, p. 3, 2007.

Cemitério da Santa Casa de Caridade de Bagé

Mausoléu Família Riet

 Fotos: Douglas Lemos de Quadros, Tiago Alano e Guilherme Cassão Marques Bragança

Anjo na vida. Anjo na morte



Instintos são estes de obediência

Porque amar é obedecer

É preferir a vontande própria à vontade alheia

É gozar da felicidade de ver os outros satisfeitos

Ela obedece espontaneamente

Porque obedece por amor e não por servilismo

Nenhuma mulher pode ser desviada para exercer qualquer função fora do lar

Sem prejuízo de seus deveres de filha, esposa e  mãe

Na sociedade organizada, o lugar da mulher é no lar

Zelando sobre a saúde de seus entes queridos que a humanidade confiou a sua solicitude. 

(Trechos de poemas extraídos de autores positivistas, da obra de Clarisse Ismério, Mulher: A moral e o imaginário, 2005)

   

Anjo na vida. Anjo na morte

Ele: o dono do mundo. Ela: escrava do lar. Afinal, porque Deus criou a mulher? Para que todos nós nascêssemos e fôssemos educados por ela. Com este pensamento, durante muitos e muitos anos, a mulher se manteve sob o domínio conservador de uma sociedade predominantemente machista. 

Considerada a rainha do lar e o anjo tutelar, a mulher nascia com o destino predeterminado. Sua função era servir ao pai e aos irmãos e, mais tarde, ao marido.   

Educada nas melhores escolas de prendas domésticas, ela não precisava compreender política ou economia, e sim, saber lavar, engomar e cozinhar, e o mais importante: ensinar as filhas o segredo de serem excelentes esposas e mães, e os filhos a sabedoria de grandes homens. 

Nada mais justo que elas fossem eternizadas em túmulos de cemitérios de todo o mundo. Na vida, zelavam pela moral e pelos bons costumes, e na morte, resguardavam a honra da família.

 (Ana Graciela de Freitas Silva)

Foto : Tais Robaina Vidal

  

Casa dos esquecidos





Porque choras tão baixo

Aqui na casa dos esquecidos, o silêncio é o manto da dor e do esquecimento

Sufocados pela cidade dos homens, nós repousamos em perpétuo silêncio

Guardados por carpideiras que eternamente lamentam, choram...

No mesmo lugar pelas mesmas pessoas...

O tempo já se foi e as ampulhetas já voaram, deixando para traz as cinzas do tempo.

O tempo esquecido pelos vivos,

Eternizado pelos mortos

Em sua morada tão distante do mundo,

Tão distante da vida.

Lugar onde os anjos da morte

Repetidamente apagam a chama da vida

Com um único sopro, forte e breve...

Onde os anjos batem asas, mas presos não conseguem voar, e apenas olham, oram...

Rezam sem descanso...

Lugar onde a saudade positivista joga repetidamente flores nos jazigos.

Onde a serpente petrificada conta por si só sua história

A história deste túmulo ou casa para nós, não é muito diferente dos tantos outros que guardam esculpidos sua história, e a história de uma época...

Apresento-vos o senhor José Paixão Cortes, fazendeiro, solteiro faleceu aos 64 anos de idade no dia 20 de março de 1901 às 2 horas da tarde de uma quarta feira. Mas este túmulo tem uma história mais que o normal.

A saudade, dor e perda estão aqui entalhadas, representadas. O imaginário popular conta a história de uma criança cuja inocência lhe custou à vida. Euclides Felipe teve a vida ceifada por uma serpente aqui representada, quando em um gesto de pureza e inocência ao enfiar a mão em uma toca a procura de uma coruja foi surpreendido por uma picada. Em silêncio a coruja espera, esculpida, petrificada aqui por mais uma oportunidade para sair da toca escapando da serpente.

( Douglas Lemos de Quadros)

Túmulo da Família Paixão Cortes – Lord, Douglas Lemos de Quadros

Foto : Tais Robaina Vidal

Lord Byron





"Quando o tempo me houver trazido esse momento
Do dormir, sem sonhar, que extremo nos invade
Em meu leito de morte ondule esquecimento
De teu sutil adejo, a mais langue suavidade

Não quero ver ninguém ao pé de mim carpindo
Herdeiros espreitando meu supremo anseio
Mulher, que por decoro a coma desparzindo
Sinta ou finja a dor que lhe estará rasgando o seio

Desejo ir em silêncio ao fúnebre jazigo
Sem luto oficial nem préstimo faustoso
Receio a placidez quebrar de um peito amigo
Ou furtar-lhe sequer um breve espaço ao gozo"

("Eutanásia", Lord Byron)


Lord Byron

Poucos homens viveram mais que eu, Lord Byron.
Eu sou aquele que foi banido das terras britânicas, o poeta maldito e libertino.
A síntese de toda a geração Ultra-Romântica. 
Aquele que bebeu da fonte da lascívia em uma taça feita de crânio humano.
Meus versos foram a representação daquilo que eu almejava
e quando o destino me trouxe aquele momento pela qual eu tanto anseava
fui imortalizado através de minha obra
36 invernos europeus eu vivi e após minha morte esses 36 prolongaram-se pela eternidade
foi no litoral grego onde meus dias de promiscuidade pereceram
em meio a minha batalha pela Grécia contra os turcos-otamanos
um destino ironicamente semelhante ao de Vlad Teppes, o empalador romeno
quando minha hora final chegou, os versos de Eutanasia ganharam a vida, ao mesmo tempo que meu corpo padecia
Minhas últimas palavras? "É chegada a ocasião de descansar..."  (Tiago Alano)

Mausoléu Família Collares: Lord Byron - Tiago Alano

Fotos: Douglas Lemos de Quadros e Tais Robaina Vidal






“Henrique V”, de William Shakespeare



O discurso do dia de São Crispim

Quem expressa esse desejo? Se estamos destinados a morrer, nosso país não tem necessidade de perder mais homens do que nós temos aqui; e , se devemos viver, quanto menor é o nosso número, maior será para cada um de nós a parte da honra. Pela vontade de Deus! Não desejeis nenhum um homem a mais, te rogo! Por Júpiter!

Não, por fé, não desejeis nenhum homem mais da Inglaterra. Paz de Deus! Não quereria, pela melhor das esperanças, expor-me a perder uma honra tão grande, que um homem a mais poderia quiçá compartir comigo. Oh! Não ansieis por nenhum homem a mais! Proclama antes, através do meu exército que aquele que não for com coração à luta poderá se retirar: darei-lhe um passaporte e mandarei por na sua mochila uns escudos para a viagem; afinal, não queremos morrer na companhia de um homem que teme morrer como companheiro nosso.

Aquele que verter hoje seu sangue comigo, por muito vil que seja, será meu irmão, esta jornada enobrecerá sua condição e os cavaleiros que permanecem agora no leito da Inglaterra irão se considerar como malditos por não estarem aqui. Se ambicionar a honra é pecado, sou a alma mais pecadora que existe.

(adaptação da obra de William Shakespeare)

 

 

Antônio de Souza Netto, General Netto

Pecar, talvez seja levantar em armas por um ideal.

Ambicionar, talvez seja pôr este ideal como meta a ser alcançada.

Mas, a honra nem sempre está na vitória.

Antes de se forjar o mito, resplandece o homem

E o homem resume-se subitamente à sua obra.

A obra do homem é o que define sua relevância.

Se ele vai ter uma carpideira para chorar-lhe eternamente no leito.

Ou alguma anja-guardiã para contar sua história.

Mesmo que alguns edifícios tenham a audácia de transformar guerreiros em intelectuais.

Temos o imaginário, edifício em vida e, talvez, em morte. 

(Calvin Furtado)

 

Túmulo do General Netto: Trecho da peça “Henrique V”, de William Shakespeare – Calvin Furtado 


Fotos: Tais Robaina Vidal

 

“Hamlet”, de William Shakespeare


 Ser ou não ser – eis a questão.

 Será mais nobre sofrer na alma;

 Pedradas e flechadas do destino feroz

 Ou pegar em armas contra o mar de angústia –

 E, combatendo-o, dar-lhe fim? Morrer, dormir:

Só isso. E com o sono – dizem – extinguir

Dores do coração e as mil mazelas naturais

 A que a carne é sujeita; eis uma consumação

Ardentemente desejável. Morrer – dormir –

 Dormir! Talvez sonhar. Aí está o obstáculo!

Os sonhos que hão de vir do sono da morte

Quando tivermos escapado ao túmulo vital

 Nos obrigam a hesitar: e é essa reflexão

 Que dá a desventura uma vida tão longa

 (William Shakespeare)


Cidade dos Mortos

O túmulo que vos apresento

Pode ser um símbolo da história que eu quero contar.

Da caminhada da cidade dos mortos.

Sim, as cidades caminham,

mas só quem as observa por muito tempo

pode perceber seus passos.

Começamos a nossa romaria no interior das igrejas.

Sob benção e vigilância do clero e dos servos do Senhor.

Então, gradativamente,

como quem quer se libertar de um estorvo,

nos expulsaram Casa do Criador,

e colocaram nossa nova morada

a parte da cidade dos vivos.

Exilados,

construímos nossas próprias igrejas,

Para que pudessem nos venerar fora da matriz citadina.

Colocamos anjos em nossas sepulturas,

para que nos protegessem e nos levassem para perto de Deus.

Erguemos bustos para que nossa imagem imponente

ficasse esculpida no mármore da eternidade.

E vos pergunto: alguém se lembra de nós?

A cidade dos vivos cresceu e caminhou

e hoje nos cerca como um abraço.

Mas, no silencio, nós também crescemos, ao natural.

E eis que estamos agora a retribuir o fraternal abraço aos vivos.

Porque não há vida

que não seja em reverencia a morte

E o resto...

É silencio.

 ( Mauro Ricardo Lemos)


Mausoléu da família Franco: Trecho da peça “Hamlet”, de William Shakespeare - Mauro Ricardo Lemos

Fotos: Douglas Lemos de Quadros e Tais Robaina Vidal

Carpideira



Chora mulher,

 Não tens mais amigos, parentes ou amores;

 Estás só em sua dor,

Só lhe resta o pranto como consolo.

Chora mulher,

Tua dor vem da alma,

Tuas lágrimas formam rios de tormento.

Chora mulher,

 Busca consolo através da eternidade.

 


As carpideiras são símbolos da dor.

Mulheres que vendiam seu pranto,

Para servir de consolo as famílias

E de sudário aos mortos.

Hoje encontram-se nos cemitérios do mundo,

Paradas, imóveis.... como deusas de pedra.

São viúvas eternas que chorando

 Zelam pela moral das famílias ilustres.

(Clarisse Ismério)

 

Mausoléu Família Riet: Ana Carolina K. Cardoso e Heitor Ismério Marques da Rocha

Fotos: Tais Robaina Vidal


Projeto Cultural Sarau Noturno



http://www.jornalminuano.com.br/noticia.php?id=32020

A proposta deste evento cultural surgiu do Projeto “História através da Arte Cemiterial”, no qual desenvolvemos uma pesquisa sistemática nos túmulos , jazigos e mausoléus no Cemitério da Santa Casa de Caridade de Bagé. A fundação do cemitério data de 1858 e com o passar dos anos cresceu e formou um acervo escultórico de grande riqueza e simbolismo, tanto por seu valor artístico como por traduzir a mentalidade e história de uma época na qual a cidade era chamada de “Rainha da Fronteira”. Constitui-se, portanto, como um grande “museu a céu aberto” e, através do seu acervo, podemos resgatar a história das famílias tradicionais, a mobilidade social e sua mentalidade fruto da opulência econômica do município.

Por entendermos que este cemitério caracteriza-se como uma “instituição cultural”, buscamos desenvolver neste espaço um evento cultural, o “Sarau Noturno”, para contar um pouco da história de Bagé e de seu imaginário simbólico mesclando com passagens e personagens da literatura romântica.


Roteiro

- Mestre de cerimônias (George Sand) Clarisse Ismério: O público é recepcionado no portão principal e conduzido através do roteiro histórico literário.

- Dama Antiga: Ana Graciela

- Criança: Rebeca Marques

- Solo de violão: Felipe Rosa

- 1º. Mausoléu Família Collares: Poeta de Byron - Tiago Alano

- 2º. Túmulo da Família Paixão Cortes – Douglas Lemos de Quadros

- 3º. Mausoléu Família Riet: Ana Carolina K. Cardoso e Heitor Ismério Marques da Rocha

- Interpretação da música Greensleeves: Felipe Rosa, João Pedro Germano Pagliosa e Guilherme Guilherme Cassão Marques Bragança

- 4º. Mausoléu da família Franco: Trecho da peça “Hamlet”, de William Shakespeare - Mauro Ricardo Lemos

- 5º. Trecho da peça “Hamlet”, de William Shakespeare - Ana Carolina K. Cardoso (Ofélia)

- Solo de flauta: João Pedro Germano Pagliosa

- 6º. Túmulo do General Netto: Trecho da peça “Henrique V”, de William Shakespeare – Calvin Furtado

- 7º. Galeria de estátuas vivas. Solo de violino: Guilherme Cassão Marques Bragança

- 8º. Mausoléu da Família Ilarregui – Antoniel Martins Lopes;

- 9º. Texto sobre representações femininas – Ana Graciela Freitas Silva

- Encerramento: Procissão com todos os personagens e músicos. Interpretação da música Bourée - Felipe Rosa, João Pedro Germano Pagliosa e Guilherme Cassão Marques Bragança

Fotos: Tais Robaina Vidal